Por José Said de Brito
“O elemento comum a todas as crises não é a origem do capital das empresas, se estatal ou privado, mas sim a questão tarifária”. Em meados da década de 50 o setor elétrico brasileiro, então privado, encontrava-se em crise. As tarifas não remuneravam adequadamente o capitalempregado e os concessionários não faziam os investimentos necessários para assegurar o crescimento econômico. Era preciso estatizar.
O processo de estatização, iniciado naquela mesma década, só foi concluído no final dos anos 70 com a compra da Light pela Eletrobrás. No período estatal, a capacidade instalada do país aumentou mais de dez vezes, passando de 5 mil para 60 mil MW e os serviços públicos de eletricidade, antes um privilégio dos grandes centros, foi estendido para quase todo o interior.
Na segunda metade dos anos 80, o setor, já estatal, encontrava-se novamente em crise. As tarifas eram insuficientes para assegurar o cumprimento das obrigações mais elementares e as empresas enfrentavam forte restrição de crédito. Iniciou-se então um ciclo generalizado de inadimplências, no qual as distribuidoras não pagavam a energia comprada das geradoras e estas não honravam financiamentos contraídos com o aval da União nem tinham recursos para investir. Era preciso privatizar.
Antes do início do programa de (re)privatização, o setor passou por um saneamento que custou US$ 30 bilhões ao Tesouro Nacional. Foram US$ 4 bilhões no período de 1988 a 1990, sob a égide do Decreto-lei n.º 2.432, e 1988, cuja aplicação foi interrompida pelo governo Collor, e mais US$ 26 bilhões a partir da Lei n.º 8.631, de 1993.
O processo de (re)privatização, iniciado em 1995 com a venda da então federal Escelsa, avançou pelas distribuidoras estaduais e chegou a alcançar uma geradora federal, Gerasul, e as geradoras estaduais Cachoeira Dourada, Paranapanema e Tietê. O programa foi paralisado no ano de 2000, tendo a distribuidora estadual Saelpa sido a última a ser vendida.
Neste curto período de investimentos privados o setor experimentou um expressivo crescimento na oferta de energia, sendo retomadas obras paralisadas de várias usinas e iniciadas muitas outras. Pode-se citar, como exemplo de empreendimentos privados, as hidrelétricas de Itá (1.400 MW), Serra da Mesa (1.265 MW), Machadinho (1.140 MW), Lajeado (850 MW), Cana Brava (450 MW), Igarapava (210 MW) Canoas I e II (160 MW), além de muitas outras hidrelétricas e termelétricas implantadas e em implantação.
No presente momento, o setor, agora meio estatal meio privado, encontra-se uma vez mais em crise. A receita das empresas, modulada pela política tarifária e deformada pela queda de consumo pós-racionamento, não é suficiente para sustentar as atividades operacionais, honrar dívidas e retornar o capital dos investidores. Não há recursos nem disposição para investir, o que tem motivado a paralisação de importantes obras. E agora? É preciso fazer o quê? Note-se que o elemento comum a todas as crises não é a origem do capital das empresas, se estatal ou privado, mas sim a questão tarifária. Em qualquer serviço regulado, a receita necessária para sustentar a operação eficiente e a justa remuneração do capital tem que ser insofismavelmente assegurada, sob pena de não haver investimento ou de o governo ter que lançar mão de outras fontes de recursos para viabilizá-los.
Tem-se argumentado que as tarifas de energia elétrica no Brasil já são muito elevadas e, na verdade, os valores pagos através das contas de energia são realmente muito altos. O que não tem sido suficientemente explorado é o fato de que enorme parcela desses valores não fica com o prestador do serviço, mas é transferida como impostos ou para custeio de atividades típicas de governo e até mesmo para investimentos do governo.
A crise atual apresenta um aspecto novo, que a torna mais grave que as anteriores. No processo de privatização, o governo vendeu ativos velhos e depreciados a preços de novos, considerando que eles ainda poderiam operar por muito tempo e que, com a prorrogação das concessões, os compradores poderiam usufruir do respectivo fluxo de caixa por longos anos.
Embora o modelo financeiro adotado tenha efeitos semelhantes ao de uma reavaliação de ativos, o governo não tem reconhecido esses efeitos para fins tarifários, valendo-se para isto de uma sistemática que não está mais em vigor e que distorce profundamente a avaliação do retorno dos investimentos.
A legislação precedente à privatização extinguiu o sistema de “tarifa pelo custo” e implantou o de “serviço pelo preço”, com base no qual foram elaborados os editais e os contratos de concessão. Todavia, nas revisões tarifárias, o governo está trazendo de volta o velho conceito de “tarifa pelo custo”, o qual contempla uma remuneração para os investimentos baseada no valor do ativo imobilizado, desprezando os valores pagos pelos investidores em absoluta conformidade com os editais de privatização.
Esse posicionamento do governo tem sido o principal indutor da crise atual e, caso não seja logo revisto, é certo que os investimentos privados serão cada vez mais escassos e a desistência de concessões uma ameaça real, o que certamente vai requerer a mobilização de recursos públicos para investimento no setor.
Preocupado em desenvolver novos mecanismos de financiamento, o governo estuda o modelo de PPP, Parceria Público-Privada, já adotado em outros países. Este consiste na participação da iniciativa privada como coadjuvante do setor estatal, atuando na realização de investimentos e prestação de serviços, mediante contrato, e sujeitando-se ao rígido acompanhamento e fiscalização da entidade contratante.
O modelo em cogitação é, inegavelmente, muito importante para o desenvolvimento do país, pois pode acelerar investimentos e promover um salto quantitativo e qualitativo nos serviços prestados à sociedade, embora para o setor elétrico o modelo não chegue a ser uma novidade, pois o sistema de concessão utilizado nesse serviço já é uma parceria público-privada.
De qualquer forma, é bom saber que o governo está trabalhando com alternativas concretas para solução do problema de escassez de recursos, restando esperar (e trabalhar para) que as lições do passado não sejam desprezadas. É preciso ter consciência de que o PPP pode ser um excelente instrumento para resolver os problemas financeiros do setor público, mas não terá nenhum valor se não for capaz de assegurar também a financiabilidade do setor privado.
Para tornar-se verdadeiramente parceira, correspondendo às expectativas do PPP, a iniciativa privada vai precisar ser convencida pelo governo e, convencida, convencer seus financiadores de que seus negócios estarão estruturados sobre uma base segura, amparada por leis e por contratos coerentes e sólidos, que em nenhuma hipótese poderão vir a ser desrespeitados.
Neste aspecto o depoimento da história não nos favorece, pois há inúmeros exemplos de incoerência nas regras, interpretação da lei em desfavor dos investidores e descumprimento de contratos, alguns resultantes de licitações públicas. A tarefa não é das mais fáceis! Mas é preciso acreditar.
(*) José Said de Brito é sócio e Diretor-Presidente
da Excelência Energética Consultoria Empresarial Ltda.
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