A portabilidade numérica na telefonia brasileira

11/07/2008

Por Flávio Carvalho (*)

Portabilidade numérica é um serviço que aumenta as chances do usuário manter o mesmo número telefônico fixo ou celular caso decida mudar de operadora ou tiver de mudar de endereço. As limitações ficam por conta, respectivamente, de o usuário dispor de mais de uma operadora onde mora ou de haver serviço equivalente no seu novo endereço.


O termo geral portabilidade não é desconhecido do brasileiro e se aplica em outras prestações de serviços como bancos, planos de saúde ou fundos de pensão. Em todos os casos há em comum serem públicas, terem a obrigação de preservar o “patrimônio” do usuário (bens intangíveis) e, principalmente, estimular a competição entre os prestadores de serviços. Reduzidos os prejuízos da mudança, o usuário liberta-se das amarras que lhe foram impostas pela sua fidelidade como cliente e passa a exercer mais plenamente o seu direito de escolha.

Assim, o correntista de um banco que formou um cadastro impecável durante décadas não o terá deletado se buscar outro banco que irá melhor atende-lo, as carências e o perfil clínico de um assistido de um plano de saúde devem ser transferidas integralmente para o outro plano e o trabalhador que mudar de emprego carregará consigo (ou sacará, não havendo previdência privada no novo emprego) a sua poupança capitalizada, incluindo as parcelas que lhes foram depositadas pelo antigo empregador.

No caso da portabilidade numérica, o patrimônio é o número telefônico, principalmente o do acesso fixo de empresas, pois ele é um importante canal de vendas. È interessante notar que os números móveis têm um valor patrimonial menor, pois pertencem a uma lista mais restrita e, por este motivo, as estatísticas nos países onde a portabilidade foi implantada mostraram uma movimentação maior na telefonia fixa empresarial, ainda o “filé” das operadoras.

A portabilidade numérica no Brasil foi preconizada pela Lei Geral das Telecomunicações (1997), incluída nos contratos de concessão e autorização na privatização, regulamentada em 2003, prometida para 2006, revista para 2008, mas ainda “patina” porque já existem dúvidas sobre a sua próxima implantação. Caberá à ANATEL, como agência guardiã dos regulamentos, separar o que são dificuldades técnicas reais do que, eventualmente, possam ser entraves ao aumento da competitividade.

Mas, diferente dos outros serviços, onde a execução da portabilidade é meramente escritural, em telecomunicações a complexidade é muito maior, pois depende de intervenções profundas nas redes, o que não deixa de ser atenuante para a morosidade com que as coisas “acontecem”. O processamento local das chamadas telefônicas terá de ter um tratamento especial em bases de dados filiadas a uma Base de Dados Nacional de Referência, gerenciado por uma empresa independente chamada de Entidade Administradora, o que, em última análise, significa criar e administrar uma rede de âmbito nacional, uma espécie de big brother do setor.

Conforme pode ser constatado com especialistas envolvidos nesse processo, parte dessas dificuldades remete às advertências que os técnicos fizeram quando da abertura das telecomunicações brasileiras, à época, olimpicamente ignoradas pelos condutores das políticas do setor. Eram sobre a necessidade de se manterem as redes, mesmo de prestadores diversos, sistemicamente integradas, já que, por requisito mundial, telecomunicações devem apresentar interconectividade e interoperabilidade, “palavrões” significando simplesmente que elas “conversem” entre si independentemente de seus donos.

As dificuldades atuais com a portabilidade poderão se repetir em outros processos, o que sempre redundará em dificuldades para o aumento da competitividade. 

(*) Flávio Carvalho é Colunista do Portal UAI no Tema Ciência e Tecnologia. É técnico em eletrônica, engenheiro eletricista, pós-graduado em engenharia econômica e tem cursos de especialização nos EUA, Canadá e Japão. Especilizou-se em tecnologia e gestão de telecomunicações, exercendo atividades de manutenção, operação, projeto e construção de redes, desenvolvimento tecnológico e industrial, coordenação de desenvolvimento de sistemas de informação e operação, magistério e coordenação de cursos de nível médio, graduação e pós-graduação.

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