Energia x Meio Ambiente – A Decisão Inteligente do Governo de Minas

22/05/2008

Por Manoel Otoni Neiva

Mineiro do Vale do Jequitinhonha, tive na minha infância uma relação conflituosa, extremada com a água, como os demais conterrâneos da região. Na seca, orações, preces e até penitências para chover. Na estação chuvosa, a reza era para parar de chover, devido aos incômodos trazidos pelo excesso de chuvas que fazia os rios transbordarem, tornando intransitáveis as rodovias já precárias de origem.

Mas foi justamente esse conflito que despertou em mim o fascínio pela força da água e o seu domínio em benefício da sociedade. Quando o governo JK se empenhava na construção das grandes hidrelétricas de Três Marias e Furnas, e eu concluía o meu segundo grau escolar, veio a escolha da minha carreira profissional. A graduação em Engenharia Elétrica se deu em meados da década de 60.

Logo me vi integrando equipes técnicas responsáveis por levar energia elétrica aos locais mais recônditos do país. Éramos recebidos pelas comunidades com festas e honras de heróis, «os soldados da luz», como éramos chamados, por levar progresso, conforto e desenvolvimento para o interior. A construção de usinas despertava grande rivalidade entre os municípios, cada um querendo o privilégio de abrigar o maior número de instalações.

Ofereciam vantagens e facilidades para influenciar nas decisões de localização. Essa situação perdurou nos anos seguintes, com construção de outras grandes usinas hidrelétricas (UHE), e os benefícios para o país superavam em muito os impactos causados ao meio ambiente, segundo avaliação da sociedade e da mídia de então.

Em meados da década de 80, o clamor da sociedade pela preservação ambiental fez surgir a legislação no país. Mas, antes mesmo das leis ambientais, já a partir da década de 70, quando as preocupações internacionais clamavam pelo desenvolvimento sustentável, os empreendimentos hidrelétricos passaram a incorporar voluntariamente preocupações com a preservação da fauna e flora, como foi o caso da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) do Glória, construída pela Cataguazes-Leopoldina no inicio da década de 80, primeira PCH construída no país depois do boom das mega UHE construídas ou em construção pelo poder público.

As primeiras leis ambientais para o setor elétrico chegaram numa avalanche de exigências e superposições de órgãos fiscalizadores, criando impasses e entraves intransponíveis para as liberações ambientais por excesso de leis, inexperiência das autoridades, das empresas de consultoria e falta de estrutura técnica qualificada.
As UHE passaram a ser a «geni» do setor energético nacional e os barrageiros, antes os «soldados da luz», passaram a ser qualificados como «soldados do demo», que só levavam destruição ao meio ambiente do entorno dos barramentos hidrelétricos.

Os legisladores não produziram leis sensatas que introduzissem paulatinamente preocupações com o meio ambiente no entorno dos empreendimentos. Pelo contrário, eram severas, punitivas e muito rigorosas com o setor produtivo, como se quisessem punir a geração atual pelos crimes ambientais cometidos nos 500 anos da nossa história.

O desfecho é de conhecimento de todos, e culminou com o último leilão de energia nova, no qual só compareceram usinas térmicas a óleo combustível, comentado com profundo sentido de dor e perda pelo presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman. «O resultado é negativo ao meio ambiente e reflete o que o país plantou ao não trabalhar para que as hidrelétricas saíssem mais rapidamente».

Esse mesmo executivo federal apresentou uma proposta ao governo para vencer a resistência da área ambiental nos projetos das hidrelétricas do Rio Madeira. Que se criasse uma comissão de alto nível, indicada pelo Presidente da República, para decidir em favor do interesse nacional supremo. Nem o meio ambiente, nem os desenvolvimentistas, deveriam ter isoladamente a autoridade para decidir, cada um fizesse os seus estudos e os encaminhasse à Presidência da República. Sugestão inteligente, salomônica, de um alto executivo federal que lamentavelmente não recebeu apoio dos seus superiores, que preferiam apoiar, ou como tem sido habitual, resolveram deixar como está para ver como fica.

E o que ficou está expresso na manifestação de outro executivo federal, Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). «O leilão foi um sucesso absoluto, pois contratou 101,8% do previsto pelas distribuidoras!». O resultado, saudado efusivamente pela EPE, não leva em conta os prejuízos causados ao meio ambiente, que, segundo a Aneel, vão corresponder à emissão de 8,975 milhões de toneladas de gás carbônico no ar. E o presidente da EPE considera o resultado um sucesso!

Sucesso para quem? Só pode ser para os fabricantes estrangeiros dos equipamentos, pela geração de empregos e riqueza em seus países de origem, já que não são fabricados no Brasil, e para produtores de óleo combustível, que vão vender sua produção excedente a um preço maior do que praticam hoje com exportação!
Nenhuma vantagem para o nosso meio ambiente nem para o Brasil, que se vê privado de produzir os equipamentos de pleno domínio de suas indústrias e de aproveitar o seu rico potencial hidrelétrico, do qual só 30% são atualmente explorados, quando países de primeiro mundo que ditam normas ambientais já exploraram todo ou quase todo o seu potencial hidrelétrico, como é o caso da França e da Alemanha, com 100% e 80%, respectivamente.

Onde está a lógica dos ambientalistas? Das autoridades responsáveis pelo desenvolvimento sustentável do país? Com a palavra, o embaixador Sérgio Serra e o físico Luiz Pinguelli Rosa, respectivamente autoridade máxima do governo federal para as Mudanças Climáticas, e Presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

Onde está o Ministério Público, tão presente na defesa do meio ambiente, que não entra com uma ação para anular esse leilão? E a EPE, que deveria ser um contraponto do setor produtivo na análise dos projetos energéticos do país, se deixa dominar pelos ambientalistas e se submete à sua orientação, aceita analisar só os impactos negativos dos barramentos hidrelétricos, como vimos nos recentes seminários organizados por ela, para avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos da Avaliação Ambiental Integral (AAI) das bacias dos Rios Doce e Paraíba do Sul.

Análise ambiental já não basta, o mote agora é a AAI, onde todos os impactos e reflexos negativos de um barramento são dissecados; impactos cumulativos e sinérgicos onde só contam os resultados negativos e se omitem os positivos, à exceção da compensação financeira paga pelas UHE. Como se fosse o único e exclusivo. A riqueza gerada na região, a regularização das vazões, o uso múltiplo das represas, o benefício para o lazer e o turismo, o apoio e os investimentos feitos pelo investidor na região em benefício das políticas públicas de saúde, educação, segurança e infra-estrutura, nada contam.

E as PCH, que não pagam compensação financeira, essas não trazem nenhum benefício? Uma rápida visita à região da Zona da Mata de Minas, onde nos últimos anos foram construídas cinco novas PCHs, vai mostrar uma realidade bem diferente.

A EPE aceita tudo passivamente. Não defende o interesse das empresas do seu setor, que têm tudo documentado e dimensionado para enriquecer os estudos da AAI. O resultado do leilão de energia nova não poderia ser outro.

É nesse contexto que saúdo a decisão inteligente do governador Aécio Neves, ao lançar o Programa de Geração Hidrelétrica (PGHMG) 2007-2027, a ser definido pela AAE – Avaliação Ambiental Estratégica, que vai apontar as alternativas prioritárias dos arranjos dos empreendimentos, maximizando os benefícios e minimizando os efeitos adversos das 45 UHE e 335 PCH no contexto de política energética do estado.

As diretrizes do programa estão definidas, oferta de energia com taxa de elasticidade de 40% em relação ao PIB estadual. Isto é, se o PIB crescer 4%, a oferta de energia do Estado tem que crescer 5,6%, sempre 40% acima do PIB. O potencial de eletricidade do Estado é extraordinário e deve ser explorado ao máximo.

E se a AA de uma usina hidrelétrica se mostrar desfavorável, terá que ser confrontada com os efeitos negativos da fonte de energia alternativa que eventualmente venha a ser proposta para substituir o empreendimento condenado. Com isso, o Governo de Minas vai evitar o fiasco do último leilão de energia nova do Governo Federal. Decisão inteligente, pró-ativa, própria dos grandes administradores. É tudo o que pediu o Doutor Jerson Kelman, é tudo o que faria o visionário, grande estadista, médico tocador de obras, promotor do desenvolvimento, o barrageiro JK.

(*) Engenheiro aposentado, com 40 anos de setor elétrico – Cemig, Copel e CFLCL)- atualmente presidente do COMPÉ-CBH dos rios Pomba e Muriaé.

Artigo publicado no JORNAL HOJE EM DIA – ECONOMIA
de 12 de Agosto de 2007

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